O DOM E O DEVIR DE UMA EXPOSIÇÃO


A exposição "Hortas de Lisboa. Da Idade Média ao século XXI", que termina este fim de semana,  foi uma extraordinária oportunidade de aprendizagem. De conteúdos (através da pesquisa feita pela equipa e dos valiosos contributos dos consultores científicos do projeto), mas também de metodologias de trabalho em todas as fases do complexo processo que é pensar, organizar e produzir uma exposição temporária. 

Entre as inúmeras dúvidas que nos atormentaram, houve, no entanto, certezas muito sólidas que nos guiaram e irão consolidar-se em projetos futuros: absoluta partilha de conhecimento, valorização das competências profissionais e sentido de serviço público. 

Podemos dizer que as mensagens, que tanto valorizamos, deixadas no livro de visitas da exposição são o melhor avaliador do nosso trabalho. 

Este projeto foi, também, um maravilhoso tempo de parcerias, algumas improváveis, quer com organismos públicos, municipais e nacionais, quer com empresas que muito contribuíram para o sucesso da exposição. 

Desenvolvemos, ao longo deste período, um conjunto de atividades, como  conversas e percursos, visitas e oficinas, promovendo troca de conhecimentos, consolidação de redes e descobertas fascinantes.

Ficarão, com toda a certeza, sementes desta exposição que abriu há mais de um ano e deste projeto que deu os primeiros passos no final de dezembro de 2016. 

Neste fim de semana é ainda possível inscrever-se nas últimas visitas guiadas realizadas pelos comissários e em atividades do Serviço Educativo do Museu de Lisboa e participar no evento Dia Aberto dos Produtores organizado pela Caravana Agroecológica.

E, cumprindo uma promessa feita no dia de abertura da exposição, iremos oferecer, a cada visitante, uma das bombas de sementes que integram o dispositivo que encerra o percurso expositivo.




Mais informação em: https://museudelisboa.pt/pt/acontece/hortas-de-lisboa 


 

AS HORTAS DO MONTE ALMEIDA E O PARQUE EDUARDO VII


Nos  dois últimos terços do século XIX,  a Câmara Municipal de Lisboa alimentou um desejo de melhoramentos da cidade. O ambicioso projeto prolongou-se ao longo da centúria e, a partir de 1874, foi conduzido pelo engenheiro Ressano Garcia.

Entre 1877 e 1903, Ressano Garcia foi responsável  pelo projeto de ligação entre o Passeio Público (do Rossio) e  o Campo Grande, cuja concretização determinou a extinção das hortas do Casal do Monte Almeida, expropriado para a construção do Parque da Liberdade (atual Parque Eduardo VII), que remataria o eixo viário da Avenida da Liberdade.

Imagem 1: Cópia do projeto da zona do Parque da Liberdade, hoje denominado Eduardo VII, e das ruas adjacentes paralelas e incidentes. 1908. Arquivo Municipal de Lisboa.

A cartografia que acompanha o processo de expropriação dos terrenos de Carlos Maria Eugénio de Almeida e de sua esposa regista uma propriedade maioritariamente composta por terras de semeadura e três hortas pintadas a verde, enumerando as 360 oliveiras e restantes 54 árvores diversas plantadas na propriedade (imagem 1).

A horta mais a sul correspondia à horta da Quinta da Torrinha, conhecida maioritariamente através das fotografias de Joshua Benoliel (imagem 2) ou da litografia da Feira Franca, desenhada em 1889 por Roque Gameiro (imagem 3). 

Imagem 2: Parque Eduardo VII, Quinta da Torrinha. Joshua Benoliel, 1916. Arquivo Municipal de Lisboa.

 Imagem 3: A Feira Franca na Avenida da Liberdade, Alfredo Roque Gameiro, 1889. Museu de Lisboa.

 

O mapeamento das hortas na Planta de Júlio Vieira da Silva Pinto

 


Entre 1904 e 1911, Júlio Vieira da Silva Pinto, funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, venceu o concurso público destinado à realização de um levantamento cartográfico de toda a área do município.

 

Este trabalho visava dotar a Câmara Municipal de um documento que traduzisse a extensão total da cidade (aumentada com a assimilação dos antigos municípios de Belém e dos Olivais) e equiparar-se ao detalhado levantamento feito por Filipe Folque, em meados do século XIX e, naturalmente, desatualizado.

 

Foram aprovadas condições excecionais para a esta obra, iniciada provavelmente no ano de 1905, como a obrigatoriedade de acesso a espaços interiores e privados.

 

 

Apesar de não se conhecer a legenda original da planta, as arquitetas Teresa Marat-Mendes e Patrícia Bento d'Almeida (consultoras científicas da exposição) desenvolveram um trabalho de investigação que constata que os edifícios públicos foram coloridos a negro e os civis pintados a cinzento, e que permite considerar que as áreas preenchidas a azul claro são vinha e as parcelas contornadas a amarelo são hortas.

 


As duas folhas originais do levantamento expostas na exposição permitem reconhecer as hortas dos logradouros da zona do Rato e as hortas prisionais da Penitenciária de Lisboa, no topo do Parque Eduardo VII.

COMPOSTAR, COMPOSTAR


O sistema de compostagem do Museu de Lisboa-Palácio Pimenta permite uma gestão mais eficiente e sustentável dos resíduos orgânicos produzidos neste local.

No compostor depositam-se os resíduos do jardim, da mata e do relvado. Por ação de microrganismos, as folhas, os ramos e a relva, são transformados em composto que pode ser utilizado para melhorar a composição do solo.




No vermicompostor colocam-se resíduos alimentares, como restos de frutas e vegetais, que minhocas e microrganismos convertem num adubo natural rico em nutrientes e muito benéfico para as plantas - o húmus de minhoca. Outro produto deste processo é o chorume de minhoca, um líquido que, diluído, pode ser usado como biofertilizante.




Reduzindo a exportação de resíduos e a dependência de fontes externas de adubos, o Museu de Lisboa diminui a sua pegada ecológica.

O compostor do Palácio Pimenta foi desenvolvido pela startup 2Adapt - Serviços de Adaptação Climática e pelo atelier de arquitetura PARTO e integra-se numa estratégia de sustentabilidade que tem vindo a ser implementada pelo Museu de Lisboa. 

ROTA DA CARAVANA AGROECOLÓGICA



𝐂𝐚𝐫𝐚𝐯𝐚𝐧𝐚 𝐀𝐠𝐫𝐨𝐞𝐜𝐨𝐥𝐨́𝐠𝐢𝐜𝐚 𝐩𝐞𝐥𝐚𝐬 𝐇𝐨𝐫𝐭𝐚𝐬 𝐝𝐞 𝐋𝐢𝐬𝐛𝐨𝐚 ⟡ 𝟏𝟒 𝐍𝐎𝐕 ⟡ 𝟗𝐇𝟑𝟎-𝟏𝟓𝐇𝟑𝟎 ⟡ 𝟏𝟓€
Da horta escolar da Escola Básica e Jardim de Infância de SANto António, à horta comunitária da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa , a Caravana Agroecológica - Portugal leva-nos por um percurso pedonal por três hortas urbanas que se localizam nas imediações do Museu de Lisboa - Palácio Pimenta. Este passeio culmina num almoço preparado pela Kitchen Dates
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Preencha este formulário para participar: https://bit.ly/caravana-agroecologica.



O COMÉRCIO DE ERVAS MEDICINAS EM LISBOA




Pharmacopeia Geral Para o Reino, E Domínios de Portugal. Publicado por ordem da Rainha Fidelíssima D. Maria I, Tomo I Elementos de Pharmacia
1824
Museu da Farmácia - 000091


Em 1704, publicou-se a Pharmacopeia Lusitana, de D. Caetano de Santo António. A obra foi a primeira edição em português e escrita por um boticário nacional.

Contudo, o conhecimento da flora portuguesa e das suas aplicações medicinais, não estava difundido, nem sistematizado.

Várias décadas antes, o alemão Gabriel Grisley publicou Desengano para a Medicina, tentando resgatar as "ervas caídas em desprezo" e corrigir os "enganos". Em 1661, publicou ainda Viridarium Lusitanicum, considerado o único livro de botânica sobre Portugal, onde o autor herborizou mais de duas mil plantas, das quais um terço seriam inéditas e desconhecidas de outros autores.

É certo que o já mencionado desconhecimento justificava o comentário do naturalista francês Merveilleux, em 1738:

«A serra de Sintra [...] produz grande número de plantas, curiosas e invulgares, de que os portugueses não tiram vantagem nem sequer pensam nisso [...]. Para mostrar a crassa ignorância dos portugueses basta dizer que mandam vir da Holanda as bagas de zimbro de que necessitam, quando as suas serras estão cheias delas, particularmente a famosa serra da Estrela de que adiante falarei».

No século XVIII, a par dos boticários e das boticas conventuais, o Rossio era o principal local de venda de ervas medicinais, colhidas nas terras campestres e serranas.

Comprava-se a erva-das-sete-sangrias (para as febres) aos homens que trazem o tojo para os fornos de pão da cidade, por serem os que a conheciam.

Colectores de ervas, ervanários e boticários transacionavam as plantas medicinais, sem conhecimentos em botânica, o que permitia enganos na terapêutica.

É muito provável que esta prática remontasse ao século XVII, conforme refere Gabriel Grisley, no Desengano:

«Da liberdade de poder cada hu᷉ vender as ervas cõ o nome q᷄ quizer, nasce este confuso engano; de q᷄ se segue necessariò o desprezo, q᷄ he o maior obstáculo para hauer curiosos; se quẽ vẽde naõ estiver visto na matéria, facilmẽte fica enganado quẽ cõpra; resultando disso hu᷉ prejuízo euidente em matéria de tãta estima, como a saúde; pello q᷄ se pede, & merece hauer nisto, hu᷉a cautella mui cuidadosa, igual ao menos à que se tem em que se não vendão mantimentos danosos».

 AS HORTAS NO CHÃO DO MERCADO DO FORNO DO TIJOLO

O local onde hoje se encontra o  Mercado do Forno do Tijolo (entre a Rua Maria da Fonte e a Rua Damasceno Monteiro) já foi chão de hortas cultivadas em redor da estrutura de água composta por um poço, um aqueduto e um tanque.

(foto 2)

Quem, em meados do século subisse pela parte baixa da Calçada do Forno do Tijolo (que corresponde hoje à Rua Maria da Fonte), ultrapassa um edifício setecentista, com seu portal singelo de feição nobre e o seu pequeno jardim (letra A), observando à direita o edifício que viria a pertencer a Henrique José Oliveira Sommer, sem  se aperceber de imediato da existência destas hortas. Seria preciso contornar o cotovelo da extensa calçada para, do troço mais elevado, apreciar os campos hortícolas e o engenho de transporte da água (a ligar as letras E e F).

As hortas desenhadas por Filipe Folque, entre 1856 e 1858 (foto 2) permaneceram até ao levantamento de Silva Pinto, realizado entre 1904 e 1911 (foto 3).

(foto 3)

Neste levantamento, que foi o último registo cartográfico destas hortas, que se viriam a extinguir com a construção do Mercado do Forno do Tijolo, registou-se uma grande estufa no jardim do edificio que fora de Henrique José Sommer (letra G) e que permaneceu na mesma família ao longo da primeira metade do século XX.  Mantiveram-se neste sítio a extensa horta e o aqueduto que ligava o tanque (letra E) e o poço (letra F). A propriedade não era, contudo, parte do prédio da família Sommer; tratava-se de um terreno interior, com entrada pelo mesmo local onde viria a ser a entrada do Mercado.  No topo nordeste do terreno existia uma relativamente pequena habitação e o chão das hortas foi delimitado com contorno a amarelo. 

Vejamos, então, a fotografia de Alberto Carlos Lima com legenda:

 


A - O edifício setecentista (atual nº 27 da Rua Maria da Fonte); B- o prédio dos Sommer (atuais nºs 4 a 16 da Rua Maria da Fonte); C- o prédio de esquina da  Rua Maria da Fonte com a Rua Andrade; D- o prédio da atual Rua Angelina Vidal, nº 60; E - tanque da horta; F - poço; G - estufa na esquina do jardim do prédio da Família Sommer.


Os arrabaldes do Areeiro


Nos anos 60, a linha urbana que partia da Praça de Londres, rasgando terrenos de antigas quintas e ramificando-se em núcleos habitacionais de prédios robustos como os da Avenida de Roma ou do Areeiro, permitia adivinhar uma relação de contrastes entre a urbanidade da cidade moderna e o passado rural sobrevivente.

Em 1963, os referentes desta paisagem foram cenário (e, de certo modo, tema) de um filme português, Os Verdes Anos, realizado por Paulo Rocha, explorando esta dicotomia e reforçando o conflito interior de Júlio, um rapaz que veio do campo para a cidade e se enamora de uma empregada doméstica de um andar do prédio do cruzamento da Avenida de Roma com a Avenida Almirante Reis.

 


Os Verdes Anos, Júlio e Ilda caminhando sobre os elevados terrenos dos limites das antigas quintas do Polão e dos Poiais Vermelhos (parte do atual Parque da Bela Vista).


Numa cena do filme, Júlio e Ilda caminham ao longo de um trilho, na orla das quintas do Polão e dos Poiais Vermelhos (que constituem parte do atual Parque da Bela Vista, sobre a Avenida Almirante Gago Coutinho). Nesse  chão de  quintas ancestrais,  o olhar sobrevoa as traseiras das avenida e espraia-se pelas torres da Praça do Areeiro, longe de adivinhar que, a 12 de janeiro de 1824, o proprietário da Quinta dos Poiais Vermelhos mandara anunciar a sua venda na Gazeta de Lisboa, descrevendo-a com as "três grandes hortas com os seus poços de nora, e tanques, olivais em terras de semeadura, e vinha que dá para cima de 40 pipas (...), parreiras, e árvores de fruta (...)", incluindo as casas nobres, capela e dependências de apoio, livres de foro.


VISITA ORIENTADA PELOS COMISSÁRIOS DA EXPOSIÇÃO


Fotografia de José Avelar/Museu de Lisboa

No próximo dia 17, pelas 15H30, realizar-se uma visita guiada pelos comissários da exposição. Os bilhetes podem ser adquiridos emhttps://blueticket.meo.pt/Event/5846/ 


UMA OFICINA DE GUARDIÕES




No próximo dia 10 de outubro realiza-se no Palácio Pimenta uma oficina prática de guardiões, orientada por Graça Ribeiro, da Associação Colher para Semear - Rede de Variedades Tradicionais.

Nesta oficina serão demonstradas algumas técnicas para a preservação de sementes,  os métodos húmido e seco e a fermentação, assim como a polinização e as condicionantes botânicas, em diferentes espécies hortícolas.

A oficina tem a duração de 90 minutos e destina-se a participantes com mais de 16 anos.

Reservas podem ser feitas para:  reservas@museudelisboa.pt





UMA HORTA VERTICAL NO PALÁCIO PIMENTA



Está a nascer uma horta vertical no Palácio Pimenta. Desenvolvida pela Upfarming,  a instalação "Food Temple"  reflete sobre o potencial da tecnologia na promoção da autossustentabilidade alimentar pela horticultura vertical para consumo das comunidades locais e não só. Para visitar a partir de 2 de outubro.