A HORTA DA JOANA




Um dia Joana concorreu para ter uma horta num parque hortícola de Lisboa. Viveu-a da mesma forma intensa e apaixonada que experienciou outros trabalhos, ocupações, projetos e sonhos que foi acumulando ao longo da vida.

"É um recurso que me preenche muitas coisas. Preenche a proximidade com a terra e com a natureza e com o silêncio e com a alimentação e com o recurso primário de andar alimentada e com o respeito e com o yoga. Isto atravessa todos os campos e mais alguns. E com a verdade das coisas e com as prioridades e com o respeito. Tudo. A horta já era um sonho há uns tempos. A terra cruzava-se com muitos temas e com muitos apelos meus, com muitas necessidades minhas, da natureza, do espaço, da alimentação. É o fascínio da terra nos possibilizar alimento sem ser preciso ir ao supermercado...pequenos estímulos aparentemente inofensivos de árvores, obrigatoriamente todos os dias, tudo somado faz a diferença ao fim de um mês, ou de um ano, ou de vinte, fisicamente, tanto a nível de cabeça, emocional, como de corpo. É a tal relação físico-química. Apanha-se mais sol, baixa-se a pulsação cardíaca porque está-se debaixo das árvores, tem-se mais equilíbrio porque stressa-se menos, a poluição sonora é menor, a poluição visual é diferente e nós somos seres naturais e, portanto, temos outros retornos de viver permanentemente dentro da natureza. E a horta fazia todo o sentido."





 AS HORTAS CASEIRAS DA LISBOA MEDIEVAL 


As hortas ou almoinhas (vocábulo de origem árabe) eram as designações para “o espaço verde anexo à habitação, situado nas traseiras”. Mesmo nas paróquias lisboetas mais urbanizadas, esse pedaço de terreno cercado estava presente, sendo a irrigação assegurada, ou por um poço dentro do próprio espaço, ou um chafariz nas redondezas, ou mesmo pelos despejos domésticos, que forneciam a essas culturas mimosas o fertilizante tão necessário ao seu desenvolvimento.

A maior parte das espécies cultivadas, nessas pequenas hortas caseiras, eram herdadas de época romana e do período muçulmano. Cultivavam-se hortaliças, legumes, leguminosas, ervas de cheiro e medicinais, e até, algumas árvores de fruta e flores, não havendo distinção entre horta e jardim, aliás uma tradição muçulmana, adquirida com os persas. O produto final destinava-se ao consumo familiar, sendo comido cru, cozido ou confecionado em caldos e sopas, ou havendo excedentes, para venda à porta das habitações.

Um dos hábitos dos lisboetas medievais era o de plantar ervas protetoras contra o mau-olhado, como a arruda ou ervas medicinais como o alecrim cujo fumo era considerado “um dos melhores desinfetantes, bom para afugentar os germens da pestilência que flutuavam na atmosfera”. Em 1492, perante mais um surto de peste, o rei D. João II exigiu ao Senado da Câmara, que tivesse disponível grandes quantidades de alecrim para defumar em abundância, nas casas e nas ruas de Lisboa.

Mas as alterações urbanísticas do século XVI ditaram a decadência das hortas caseiras de Lisboa. O próprio Gil Vicente colocou na boca de Maria Parda um clamor perante a falta de verde, nas ruas de Lisboa:

“Ó triste rua dos Fornos

Que foi da vossa verdura?”

Na atualidade lisboeta, e depois de uma “pestilência” que nos colocou em confinamento, talvez outro dramaturgo possa colocar na boca de uma personagem:                   


“Ó alegres varandas e açoteias

Tão cheias de tanta verdura!”


Texto de Ana Paula Antunes


Pormenor do Livro de Horas de D. Manuel I, Calendário (mês de janeiro), António de Holanda (atribuído a), 1517-1551, Pergaminho, Fólio 5, Museu Nacional de Arte Antiga

 OS PIMENTOS

A associação Colher para Semear - Rede Portuguesa de Variedades Tradicionais - realizou, no âmbito da sua colaboração com o Grupo de Trabalho para a Promoção da Agricultura na cidade de Lisboa (Pelouro do Ambiente, da Estrutura Verde, do Clima e da Energia), uma recolha de sementes tradicionais em sete dos 21 Parques Hortícolas Municipais.

A imensa variedade de sementes recolhidas, junto de 75 hortelãos é reveladora de um património vegetal riquíssimo que existe nos Parques Portícolas de Lisboa e  tem como guardiões, as mulheres e os homens que cuidam das hortas e aí reatualizam saberes e práticas muito antigas.

Na exposição é possível ver uma parte do resultado desta colheita e, através das extraordinárias ilustrações de Mafalda Paiva, apreciar a beleza intrínseca das plantas que fazem parte da paisagem alimentar dos lisboetas.


PIMENTO CÓNICO
Ilustração de Mafalda Paiva




PIMENTO NORA REFEGADA
Ilustração de Mafalda Paiva




PIMENTO COROA DE BISPO
Ilustração de Mafalda Paiva


PIMENTO JINDUNGO
Ilustração de Mafalda Paiva


APRESENTAÇÃO DO CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO HORTAS DE LISBOA



O Museu de Lisboa lança o catálogo da exposição Hortas de Lisboa. Da Idade Média ao século XXI no dia 8 de setembro, às 18h, no Palácio Pimenta.

A edição do catálogo da exposição Hortas de Lisboa. Da Idade Média ao século XXI constitui um contributo do Museu de Lisboa para a história das hortas de Lisboa e para a reflexão sobre o seu futuro, passando por temas tão atuais como a sustentabilidade, a soberania e a segurança alimentares da cidade. 

São mais de 40 artigos, em português e inglês, que, ao longo das 208 páginas, mostra de forma transdisciplinar como as hortas evoluíram na cidade ao longo de mais de oitocentos anos bem como a relação dos hortelões da Lisboa de hoje com as suas hortas, levantando ainda questões e deixando pistas sobre o papel que as hortas urbanas podem ter nos desafios do futuro. 

Através da cartografia, da pintura, da literatura, da fotografia o catálogo, em complemento à exposição, permite-nos uma viagem multidisciplinar pelas hortas de Lisboa. Especialistas em história, antropologia, arquitetura, biologia, engenharia ambiental, hidrogeologia, recursos hídricos subterrâneos e agronomia concorreram para um entendimento mais cabal dos territórios, dos trajetos, das práticas e das narrativas, das personagens, das estratégias e das políticas do universo das hortas da cidade. 

Esse olhar multidisciplinar constitui a espinha dorsal desse projeto - fundamentalmente da autoria de Daniela Araújo, antropóloga, que partilhou esta ambiciosa tarefa com o historiador Mário Nascimento, ambos membros da equipa do Museu de Lisboa - permitindo complementar leituras, posicionamentos e escolhas.

Inaugurada a exposição em 2020, o respetivo catálogo que o Museu de Lisboa agora publica integra as edições oficiais da Lisboa Capital Verde Europeia 2020.