Uma nova morada para as hortaliceiras de Lisboa

[Antigo mercado da Praça da Figueira]
Autor desconhecido
c.1835
Museu de Lisboa
MC.PIN.0310

Vinte anos depois do Terramoto de 1755, o rei D. José I decretou ao Senado da cidade que se construísse uma "praça geral da venda de toda a fructa e ortaliças".  A escolha do local recaiu sobre o grande terreno devoluto onde existira o Hospital Real de Todos os Santos, inicialmente destinado ao prolongamento de quatro ruas da Baixa (as atuais ruas dos Correeiros, da Prata, dos Douradores e dos Fanqueiros), ligando-as à rua de S. Domingos, edificando-se, nos quarteirões assim formados, prédios de rendimento em benefício da Real Casa Pia.

Estando apenas rasgadas as ruas dos Correeiros e da Princesa (atual rua dos fanqueiros), o monarca ordenou que "se devasse em benefício do Público huma Area de quatro frentes, com trezentos e oitenta palmos de Norte a Sul, e quatrocentos e quarenta de Nascente ao Poente, para se estabelecer huma Praça de fructa, e hortaliças, com os arruamentos, e cabanas necessarias ao serviço, e uso della, de cujo terreno Faço Mercê ao Senado da Camara de Lisboa, com a obrigação de fazer a obra".

Este mercado não se destinava apenas às hortaliceiras que, ao longo do dia, aí venderiam os seus produtos, mas também aos fazendeiros e hortelões "que vem trazer a fructa, e hortaliça pela manhã a Lisboa" vendidas maioritariamente a grosso.

Resolvia-se, igualmente, a proibição de bancas de hortaliceiras junto aos novos edifícios do Arsenal da Marinha, da Alfandega e ao longo Praça do Comércio.

Paralelamente a este novo mercado, coexistiram bancas de venda de hortaliças no chamado mercado dos Genoveses (deslocado, em 1809, para a parte oriental da Praça de S. Paulo) e a sua construção determinou que fazendeiros, hortelões e hortaliceiras ou vendedoras de fruta deixariam "o outro campo, em que se faz á terça feira o mercado público, chamado feira da Ladra, que continuará em tudo da mesma forma, em que actualmente se acha". 

A construção do mercado contemplou a ligação à rede de esgotos pombalina e foram determinadas as condições de limpeza em que funcionaria.

Esta preocupação não era exclusiva deste local, nem correspondia a uma novidade:  a venda de produtos menos frescos pelas hortaliceiras era uma preocupação antiga do Senado, como indica um documento do século XVI, proibindo a venda de hortaliça molhada para parecer fresca (na Ribeira, noutras partes da cidade e nos arrabaldes) e estendia-se a outros locais de venda de verdes, como ocorreu a 7 de fevereiro de 1800, quando se determinou que nenhuma vendedora de hortaliça, que tivesse lugar nos alpendres do mercado da Ribeira, poderia ter um armário fechado onde guardasse a mercadoria não vendida num determinado dia.


TACUINUM SANITATIS



Fólio 18V - Melões

 

No século XI, o físico cristão Ibn Bulān, de Bagdad, escreveu um tratado de saúde, higiene, dietética e bem estar intitulado Taqwīm Al-iḥḥa. O tratado, baseado na teoria humoral de Hipócrates e Galeno, destacava evocava o uso terapêutico das plantas na prevenção e no tratamento da doença, atribuindo a cada espécie propriedades específicas e efeitos fisiológicos particulares capazes de restabelecer o equilíbrio humoral.

No século XIII começaram a circular na Europa versões latinas desta obra e, algumas delas, foram paulatinamente obliterando parte dos textos originais a favor de ilustrações, até pouco restar dos conteúdos originais e a obra ser dominada por estampas com a respetiva legenda. São particularmente ricas as edições encomendadas pela corte Visconti de Pavia na Lombardia, no século XIV.

Tacuinum Sanitatis, literalmente Tábuas da Saúde, constitui uma exceção no universo, escasso e disperso, da iconografia hortícola medieval e uma notável fonte de informação sobre as plantas que então se cultivavam e consumiam. Hortas, campos agrícolas, talhões, treliças, vedações e vasos, entre muitos outros elementos, compõem os cenários que informam, também, sobre a estrutura social medieva. Enquanto os camponeses são retratados com os hortícolas que habitualmente constituíam a base da sua alimentação, os cortesãos, a clientela do livro, aparecem junto a variedades que eram raras, dispendiosas e de introdução recente na Europa, como a beringela.

Embora as ilustrações das colheitas sejam idealizadas e a produtividade e dimensão das plantas exacerbadas, Tacuinum Sanitatis informa sobre práticas e técnicas agrícolas, ainda hoje utilizadas.

A visão da horta como espaço de cura, de relaxamento  e de vitalidade e a prática hortícola como fonte de bem-estar, físico e mental, revelam as propriedades higiénicas da natureza e anuncia a horticultura terapêutica que hoje se promove, mostrando a atualidade de uma obra com séculos.

 As três irmãs e os 2Adapt


As três irmãs  - milho, feijão e abóbora - são um excelente exemplo de plantas companheiras que são cultivadas há centenas de anos e que fornecem proteínas, vitaminas e hidratos de carbono necessários a uma dieta saudável. 

As três irmãs ajudam-se mutuamente. As suas raízes, com profundidades e formas de crescimento distintas, não competem pelo mesmo espaço e trocam nutrientes. No núcleo 4 desta exposição, Ferramentas para uma horta na cidadepoderá ver uma das peças desenvolvida pelos nossos parceiros 2Adapt. Na HortaFCUL cultivaram milho, abóbora e feijão e, numa estrutura de epóxi, conservaram as suas raízes. 

 PARCEIROS

Ao longo da preparação da exposição "Hortas de Lisboa. Da Idade Média ao século XXI", consolidaram-se redes de parceiros  que foram fundamentais para a concretização deste projeto.

O Grupo de Trabalho para a Promoção da Agricultura Urbana na Cidade de Lisboa, do Pelouro da Estrutura Verde e Energia da Câmara Municipal de Lisboa,  teve um papel incontornável neste processo. Não apenas pela valiosa informação que partilhou, permitindo enriquecer os conteúdos da exposição, mas também porque, através da sua equipa e colaboradores, produziu e disponibilizou extraordinárias imagens que poderão ser vistas no Pavilhão Preto a partir do dia 23 de outubro.   

Carlos Fernandes e Maria dos Anjos Fernandes
Parque Hortícola da Quinta das Flores
Fotografia de Nuno Correia (C.M.L.)


Pimento Jindungo (Capsicum frutescens)

Ilustração de Mafalda Paiva (C.M.L.)




Este é o blog da exposição temporária Hortas de Lisboa. Da Idade Média ao século XXI, concebida e apresentada pelo Museu de Lisboa.

É um espaço de partilha de conteúdos e de experiências para todos aqueles que, de diferentes maneiras, se interessam por este tema.

Contamos convosco para Cultivar este projeto e semear novas ideias! 



O INÍCIO DO PROJETO

Este projeto iniciou-se há mais de três anos com incursões exploratórias por parte da equipa da Museu de Lisboa a várias hortas da cidade.

Rapidamente percebemos que era importante perceber e mapear esta realidade que já faz parte da paisagem de Lisboa desde tempos remotos. 

Indissociáveis da prática hortícola, desde logo se revelaram importantes as questões da soberania e segurança alimentar, do planeamento urbano, da sustentabilidade e das migrações.


(Celeste Bonito com Daniela Araújo no Parque Botânico do Monteiro-Mor)