PLANEAR UMA HORTA URBANA DE PERMACULTURA



Maqueta de uma horta urbana de permacultura, 2020, Norigem. MDF, PVC compacto, tinta, acrílico, serradura, areia, cortiça, terra, flocagens, massa biscuit, resinas e colas. Escala 1/10. Museu de Lisboa.

@ José Frade

 



Planear uma horta urbana segundo os padrões e relações observados na natureza permite que a mesma seja mais produtiva e resiliente. Há uma série de ações que se podem desenvolver para alcançar esse objetivo. 

Promover as consociações entre as plantas, isto é, cultivando duas ou mais culturas próximas umas das outras de modo a obter benefícios mútuos; não cavar a terra para que as comunidades de microrganismos se estabeleçam no solo e beneficiem as plantas; usar o compostor e o vermicompostor para transformar os resíduos da horta, do jardim e da cozinha em matéria orgânica que servirá para nutrir o solo da horta; recorrer a galinhas que comem as ervas indesejadas e adubam o solo; recolher e armazenar água da chuva; plantar em vários estratos (rasteiro, intermédio, alto e vertical); fazer rotação de culturas para não esgotar o solo; estabelecer diferentes zonas (o canteiro das aromáticas deve ficar mais próximo da cozinha e o compostor numa zona mais distante); aproveitar os caminhos para criar bordaduras com flores e plantas aromáticas; instalar hotéis para os insetos que são benéficos para a horta, assim como abrigos para aves, como os morcegos, que ajudam a controlar as pragas são apenas algumas das muitas coisas que devemos fazer quando desenhamos a nossa horta.

 UMA HORTA NA AVENIDA ALMIRANTE GAGO COUTINHO

Projeto da moradia de António Casanovas Augustine, 1947. Arquivo Municipal de Lisboa.

Quando, em 1947, António Casanovas Augustine apresentou o projeto de construção de uma moradia, a Avenida Almirante Gago Coutinho ainda não tinha esse topónimo. Inicialmente referida como Prolongamento da Avenida Almirante Reis, a construção do aeroporto mudou-lhe o nome para Avenida do Aeroporto, mas a designação definitiva só aconteceria em 1960.

O bairro que atravessava e que - de certo modo - delimitava, permaneceu um bairro de vivendas, separado dos prédios do Areeiro por conjunto de prédios mais baixos, de renda económica.

O vale da avenida tinha sido, no passado, ocupado por quintas como a da Feiteira, da Montanha, da Charca ou do Narigão. A sua urbanização com moradias, como a de António Augustine, revela como foram aproveitados os declives do terreno do vale.

O lote dos Augustine apresentava três cotas distintas: a da entrada, ao nível da rua e da cave da casa, outra ao nível do primeiro andar da casa, permitindo o acesso direto a um jardim menos exposto aos olhares dos transeuntes, e um terceiro nível, mais elevado, reservado para uma horta, com um pequeno anexo para lavagens e capoeira. 

A identificação da horta num projeto de construção de moradias nesta avenida é muito invulgar. A terem existido outras, não foram documentadas e os lotes maiores contemplaram piscinas ou campos de ténis, ao invés de espaços de produção hortícola.




 UMA HORTA E MUITOS MUNDOS


Teresa Pina
Parque Agrícola da AVAAAL


"Eu nasci em São Salvador do Mundo, na ilha de Santiago, Cabo Verde. Casei com 19 anos e vim para Portugal com 20 anos; cheguei a Lisboa no dia 3 de setembro de 1984. O meu marido já estava aqui, era motorista da Carris. Tivemos quatro filhas.
Em Cabo Verde brinquei muito, trabalhei muito, mas tive uma infância muito feliz, a brincar na cachoeira, a ir lavar roupa à ribeira, a fazer roupa de boneca, a brincar no baloiço. Tínhamos a casa na aldeia e semeávamos milho, feijões, cana de açúcar e mangas no sequeiro. Quando havia seca era uma catástrofe. E tínhamos a horta onde o meu pai cultivava mandioca, papaia, banana,  coqueiro, goiaba, batata doce, batata que nós chamamos de inglesa, mas é batata portuguesa, alface, couve, cebola, alho, essas coisas que eram o nosso sustento. 
Eu gosto muito da horta, tenho aqui um bichinho no sangue desde criança, desde pequenina eu ia à horta com o meu pai. Aqui, eu tenho esse feijão congo que eu trouxe de Cabo Verde. Tenho feijão pedra que a gente usa para pôr na cachupa, também tenho feijão bongolon que tem uma vagem comprida parecida com o feijão frade. Cada vez que vou a Cabo Verde eu trago coisas. Já trouxe mandioca, rama de batata doce. Mas de cada vez que eu encontro coisas diferentes eu trago para a horta. Dos Açores trouxe anona e abacate, da Madeira trouxe este ananás que não cresce, nem nada. Da feira da Malveira trago sempre cebola, couve coração que fica ótima na cachupa, couve portuguesa, tomate coração de boi. A minha vizinha da horta, de Angola, trouxe semente de maracujá e estão aí uns pezinhos para nascer e fazer sombra. Esse milho veio do Algarve, foi a minha irmã que me deu. Este aqui é o milho que em Cabo Verde nós chamamos sangue de touro e é muito bom para fazer camoca".


 UMA HORTA NO COSMOPOLITA PALACETE RIBEIRO DA CUNHA

O palacete Ribeiro da Cunha, ao Príncipe Real, 1903, autor não identificado, desenho. Museu de Lisboa.

O palacete Ribeiro da Cunha foi construído pelo capitalista (financeiro e negociante de tabacos) José Ribeiro da Cunha (1813-1883), na Praça do Príncipe Real, num terreno de gaveto com a Calçada da Patriarcal Queimada, no local onde anteriormente se erguiam dois prédios de menor importância.

O requerimento para a construção entrou na Câmara Municipal de Lisboa, no dia 3 de maio de 1877, acompanhado de um projeto gráfico com alçados e planta da responsabilidade do arquiteto Henrique Carlos Afonso. Dois dias depois, o engenheiro Frederico Ressano Garcia dava parecer positivo sobre a sua construção e aprovação pela edilidade firmou-se a 7 de maio.

A rapidez da aprovação do projeto contrastou com a morosidade da construção: em 25 de junho do ano seguinte, Ribeiro da Cunha pedia o alargamento do prazo de construção por mais um ano.

O prédio tornou-se um dos mais notáveis edifícios residenciais de Lisboa, pelo exotismo da fachada de inspiração mourisca, marcando de forma permanente as perspetivas da Praça do Príncipe Real, e foi amplamente reproduzido em bilhetes postais.

Poucos anos se manteve este imóvel na posse da família Ribeiro da Cunha. No início do século XX foi adquirido por Júlio Henrique de Seixas e, em 1911, tornou-se a residência do seu filho, o capitalista e industrial Ernesto Henrique de Seixas que promoveu alguns melhoramentos, como a construção de uma estufa no jardim, em 1912, e um pavilhão para carruagens, em 1916.

A casa manteve-se na sua posse por apenas mais 9 anos, tendo sido vendida a Manuel Caroça, em 1920. Pouco tempo terá Ernesto Henrique de Seixas usufruído desta moradia requintada, confortável e cómoda ou do seu amplo jardim, prolongado visualmente pela copa das árvores do Jardim Botânico.

Foi, no entanto, no breve período de Seixas que ficou documentada a existência e localização da horta, ao fundo do jardim, do lado da Rua da Alegria, por ocasião do pedido de construção de um barracão para "arrecadação dos utensílios do jardim". É provável que a horta fosse anterior à ocupação por Ernesto H. de Seixas, sendo possível que abastecesse de "frescos" a casa dos Ribeiro da Cunha, complementando os alimentos que provinham de vários domínios diretos de foro anual de José Ribeiro da Cunha:  alqueires de trigo e de cevada e galinhas do Casal do Loureiro, em Benfica, e do Casal Ribeiro, ou  alqueires de cevada do Casal das Afonsas, em Belas.

Projeto de um barracão que Ernesto Henrique de Seixas deseja fazer junto à horta no seu palácio […], 1912, Arquivo Municipal de Lisboa.