A LÓGICA DO PEDRO

Pedro Garret. Horta numa casa em Arroios.

"O facto de nós termos aqui um misto de sala de estar, e podermos interagir diretamente com as plantas, dá-nos um prazer e uma paz de espírito que, por exemplo, ver televisão não dá; é impossível. Por outro lado, há aqui um conjunto de coisas que nos fazem pensar na forma como nós interagimos na cidade e no meio envolvente. Muitas das vezes, quando eu digo que tenho uma horta ou um espaço como este, falam-me sempre: lá está aquele ambientalista, que vai de bicicleta para o trabalho e chega a casa e tem a sua horta.

E eu digo que isto não tem nada a ver com ambientalismo, tem haver com o facto de morar a 5 km do trabalho e o mais lógico é ir de bicicleta, não há outro transporte que chegue mais rápido que uma bicicleta para fazer estas curtas distâncias. Chegar a casa e ter um espaço como este cimentado também não tem lógica. E não é ser ecológico, é o que faz sentido. 

E eu daqui consigo tirar muito mais do que a energia que ponho. E acho que estas pequeninas coisas nos ajudam a conectar com o meio ambiente que nos rodeia e traz-nos, também, alguma paz de espírito. Mas, acima de tudo, ajuda-nos a distinguir aquilo que é essencial do acessório. E não tem nada a ver com ecologia, não tem nada a ver com isso. Tem a ver com aquilo que acho que é a simplicidade das coisas que muitas vezes nos dão muito mais do que se nós comprarmos as coisas. E é essa a intenção".



 FRANCISCO SIMÕES MARGIOCHI (1848-1904)


Retrato de Francisco Simões Margiochi, 1904, Pedro Guedes. Instituto Cultural Casapiano.

Oriundo de uma família de intelectuais liberais com raízes de origem modesta e rural na zona de Caselas, Francisco Simões Margiochi foi um reconhecido especialista em agronomia, horticultura e jardinagem.

Foi vereador do pelouro dos Passeios e Arvoredos da Câmara Municipal de Lisboa, entre 1872 e 1875, e foi provedor da Casa Pia, entre 1889 e 1897, onde criou, em 1895, a Escola Prática de Agricultura da Real Casa Pia de Lisboa e o primeiro curso para jardineiros horticultores no país.

Em 1898, Margiochi fundou a Real Sociedade Nacional de Horticultura de Portugal e, enquanto seu presidente, organizou exposições, projetou um curso de jardinagem e lançou uma revista, o Boletim, uma das mais importantes publicações oitocentistas deste campo disciplinar, destinadas ao grande público.

Em 1904, na sequência da sua morte por diabetes, o jornal O Occidente sintetizou, da seguinte forma, o seu trabalho como vereador do município de Lisboa:

"Eleito vereador da municipalidade lisbonense desde 1872 a 1875, ali robusteceu, como edil os créditos já adquiridos na sua ainda curta existência. Entre a série de medidas que levou a cabo, especialisam-se:  a creação e alargamento de alguns jardins, que aformoseou, mandando vir algumas árvores exóticas; a organisação de uma bibliotheca especial de jardinagem; um subsídio para as corridas de cavallos, afim de desenvolver a creação cavallar; a proposta para a demolição das grades do antigo Passeio, idéa que lhe trouxe muitas antipathias e que pouco depois foi calorosamente defendida.

A elle se deve também uma proposta para a abolição das touradas, espectáculo que muito lhe repugnava.

Em uma das mais diffíceis conjecturas por que tem passado o municipio da capital, foi Margiochi chamado a prestar-lhe o seu valiosissimo concurso. Por questões administrativas foi, em 1890, dissolvida a Câmara Municipal e substituída por uma commissão, cuja presidencia coube a Simões Margiochi. A cidade via-se a braços com uma greve cujas consequências teriam sido terriveis

se não fora a coragem e o desassombro com que Margiochi e os seus collegas encararam esse perigo que, graças às inergicas e bem orientadas providencias, dentro em pouco foi conjurado."

 AS HORTAS DA QUINTA DOS PEIXINHOS



O Vale Escuro e a Quinta dos Peixinhos, 1944, Eduardo Portugal. Arquivo Municipal de Lisboa.

Na segunda metade do século XIX, partindo do Campo da Parada (na Graça) e caminhando pela Estrada da Penha de França, surgia, poucos metros depois, um vale aberto, com vista sobre o Tejo, conhecido como Vale Escuro.


Esse vale permaneceu, até aos anos 40 do século XX, como um conjunto de terras rurais de antigas quintas que esperavam a concretização de projetos camarários. Apesar deste impasse, nos anos 20, o município autorizara a construção de pequenas casas ao longo da principal artéria do vale: o Caminho da Quinta dos Peixes (mais tarde, rebatizado Caminho da Quinta dos Peixinhos).


Em 1944, Eduardo Portugal fotografou ainda um vale aberto, com algumas hortas, mas, em meados do século XX,  dada proximidade aos bairros operários da Graça, Sapadores e Penha de França, os terrenos foram gradualmente ocupados com construções clandestinas, sem saneamento básico, nem água canalizada ou eletricidade.


Apesar dos terrenos terem pertencido a várias outras quintas (Quinta do Judeu, Quinta do Meio, etc.), talvez porque o topónimo Caminho da Quinta dos Peixinhos se devesse à última das quintas do seu percurso, o bairro clandestino ficou conhecido como Quinta dos Peixinhos. 


Aqui se alojaram maioritariamente famílias oriundas do Minho, que replicaram sociabilidades das suas aldeias, retalharam os terrenos das imediações e cultivaram hortas que foram essenciais para a sua alimentação.

 A NATUREZA É A MINHA CASA


Celeste Bonito
Horta no Parque Botânico do Monteiro Mor

"Eu sempre tive o sonho da agricultura. O meu sonho era ser engenheira agrónoma. Não deu e fui estudar contabilidade. Mas tive sempre o bichinho. Um dia estava a ver televisão e mostraram  um jardim que tinha árvores centenárias em Lisboa. Fiquei fascinada e fui ver onde era o Parque Botânico do Monteiro Mor. E vim cá ver, descobrir as árvores centenárias. Não consegui ver o jardim todo, voltei outro dia e vim parar a estas hortas. Perguntei a uma senhora como é que isto funcionava, ela explicou-me e eu candidatei-me. 
Como é que eu planeie o espaço? Vim medir tudo primeiro, lembrei-me da horta mandala, fiz no centro um charco para poder ter rãs para comerem as pragas dos legumes e esteticamente acho que um charco resulta muito bem. Comecei a fazer permacultura sem saber que estava a fazer permacultura. Fiz canteiros elevados, pus trevo branco para ter adubo para proteger a terra.
É uma miscelânea de hortícolas, com aromáticas, com flores para atrair as abelhas, criar aqui um ecossistema de casinhas para as joaninhas, um charco para atrair tudo o que um charco atrai, batráquios, insetos que vêm beber água. A estética. Eu não conseguia separar as duas coisas: horta e estética. 
O meu intuito aqui não é a produção, é vir para qui, é ter prazer, é esquecer-me de mim. Sou como uma ervinha, aqui. Partilho as minhas couves com os coelhos. Eu quando estou na horta sinto que não tenho mais valor que esta folha de couve. Eu sou um elemento da natureza. É mesmo o que eu sinto."