HORTA DE LISBOA - UMA FOTOGRAFIA INÉDITA DOS JARDINS DE ENSAIOS DE FREDERICO DAUPIAS


Frederico Daupias nasceu em Lisboa, em 1839, e faleceu na cidade de Paris, em 1928. Descendia de Jácome Ratton, o comerciante que relatou com pormenor e colorido, nas suas memórias, o Terramoto de 1755. Era, também, sobrinho do conde de Daupias, reputado colecionador de arte, industrial e filantropo, proprietário da Horta Navia, em Alcântara.

Daupias foi o proprietário da Casa de Sementes Frederico Daupias, na Rua Nova do Carmo (atual Rua do Carmo) e dos Jardins de Ensaios, na Rua do Arco (atual Rua do Arco a São Mamede). Os Jardins de Ensaios foram idealizados como espaço de experimentação hortícola, mas também como recinto de exposições de floricultura, iniciadas em 1896 e com uma periodicidade anual. A primeira exposição, dedicada aos crisântemos, testemunha o papel pioneiro de Daupias na introdução desta moda em Portugal. Anos mais tarde, em 1907, fez construir nos Jardins um chalet.


Horta em Lisboa [Jardins de Ensaio de Frederico Daupias], Paulo Guedes, entre 1895 e 1904. Arquivo Municipal de Lisboa. PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PAG000186.

A fotografia do acervo do Arquivo Municipal de Lisboa que tem por título Horta de Lisboa apresenta, no primeiro plano, o que parece ser uma horta, animada por um jardineiro ou hortelão, escondida no meio do casario de um bairro da cidade. Trata-se, contudo, de uma perspetiva dos patamares dos Jardins de Ensaios.


Horta em Lisboa [Jardins de Ensaio de Frederico Daupias] (editada), Paulo Guedes, entre 1895 e 1904, Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PAG000186.

Na segunda imagem, assinalam--se referências determinantes para a identificação e localização dos Jardins de Ensaio. O primeiro plano apresenta algumas couves e arbustos ornamentais floridos. À sua esquerda, mas num plano de fundo de grande proximidade, os prédios da Rua de São Bento e o arranque da íngreme Travessa de Santa Quitéria (letra B), podendo ver-se as torres sineiras da igreja de Santa Isabel (letra A).

Ao fundo da Rua de São Bento, identifica-se, ainda, a atalaia ou mirante da antiga quinta do Biaggi (letra C), mais abaixo, a fachada lateral do Convento das Trinas do Rato (letra F) e, descendo a Rua de São Bento, reconhece-se a fachada rematada por um telhado de duas águas do atual número 315 (letra D).

Por fim, e retomando o ponto da letra B, o cruzamento da Travessa de Santa Quitéria, vislumbra-se o leito da Rua do Arco, subindo em direção à margem direita. A fotografia não permite ver os arcos do aqueduto, mas ainda se consegue ver um barracão que se sabe ter estado encostado a este troço do aqueduto, no lado direito de um pátio (letra E) e que se pode confirmar no pormenor do levantamento dos Goullard (terceira imagem).




[Levantamento topográfico de Francisco Goullard]: nº 264 (pormenor), Francisco Goullard, dezembro de 1882. Arquivo Municipal de Lisboa. PT/AMLSB/CMLSB/UROB-PU/05/02/262.

A fotografia foi tirada entre 1895 (ano em que Daupias toma posse do terreno que transformará nos Jardins de Ensaios) e 1904, ano em que José Mariano solicita à Câmara Municipal autorização para construir um prédio (atualmente com os n.ºs 17 a 21) no terreno que possui em frente aos Jardins Daupias (imagem 4).



Projecto da casa que deseja construir o Exmo. Sñr. José Marianno no seu terrenos da Rua do Arco freg.ª de S. Mamede (pormenor), Francisco Maria Pinto da Silva, 1904. Arquivo Municipal de Lisboa. PT/AMLSB/CMLSBAH/COPA/001/05411 (Palacete da Quinta Nova, R. do Arco a S. Mamede, 17-21).

NOTA

Frederico Daupias ocupa, com Francisco Simões Margiochi, lugar de destaque no núcleo da exposição dedicado aos horticultores de oitocentos, mas também na programação associada. Consulte-se a edição das Conversas da Exposição do dia 9 de março, dedicada aos horticultores de oitocentos, que teve como convidada Ana Duarte Rodrigues, consultora científica da exposição (https://www.facebook.com/museudelisboaEGEAC/videos/901840303940734), assim como a próxima rúbrica À Mesa com o Museu de Lisboa, no dia 28 de maio, às 20h, no Facebook do Museu de Lisboa.


 A HORTA DA QUINTA DO MARQUÊS DE FRONTEIRA EM BENFICA

Jardim e fachada do palácio do M. de Fronteira. Augusto Xavier de Lima, 2ª metade do séc. XIX, fotografia, Museu de Lisboa (MC.FOT.3743.31)

No último terço do século XVII, D. João de Mascarenhas, conde da Torre e primeiro marquês de Fronteira, fez construir um pavilhão de caça e elaborados jardins na propriedade que a família possuía em Benfica.

Este pavilhão, integrado numa mata e quinta de produção agrícola, veio a tornar-se a residência principal da família após a destruição do seu palácio no centro da cidade, ocorrida no dia 1 de novembro de 1775, com o Terramoto. A alteração funcional do palácio, ampliado com uma nova ala habitacional, também promoveu algumas alterações nos jardins e na quinta.

Este conjunto, formado por um palácio e seus edifícios anexos, mata, jardins e quinta, permaneceu afastado da cidade até à urbanização de Benfica, a partir da segunda metade do século XX. Encontrava-se, porém, associado a um pequeno núcleo habitacional, na proximidade de outra quinta famosa, a do comerciante inglês Gerard Devisme e do convento de S. Domingos de Benfica. A partir dos finais do século XVIII, o pitoresco do conjunto foi representado em várias gravuras e numa pintura da coleção do Museu de Lisboa, que aqui reproduzimos (imagens 2 e 3).



A view of Quinta de Gerard de Visme Esq. at Bemfique near Lisbon. John Wells, 1794, gravura a aquatinta, Museu de Lisboa (MC.GRA.1351)

 

Vista de S. Domingos de Benfica. Maria Guilhermina Silva Reis, séc. XIX, óleo sobre tela, Museu de Lisboa (ML.PIN.1612)

 


A quinta tinha, desde os tempos do primeiro marquês, pomares e hortas integrados no conjunto dos jardins e da mata, organizados nos três socalcos construídos para vencer o declive da encosta onde o conjunto se insere. No terceiro nível, o mais elevado em relação à casa, situava-se a mata (como se pode observar nas imagens 2 e 3, atrás do palácio); o segundo nível (abaixo do terceiro), corresponde ao palácio e aos jardins; o primeiro nível, inferior em relação aos anteriores, correspondia à zona de produção agrícola da quinta, as hortas e os pomares.

A par deste declive, a quinta era atravessada por uma ribeira e a água era armazenada em lagos e tanques, simultaneamente cenográficos e funcionais, otimizados através do sistema hidráulico que alimentava os jogos de água, construído pelo primeiro marquês, D. João de Mascarenhas.

As hortas e pomares foram mantidos e aumentados, no século XVII, pelo segundo marquês e novamente aumentados, no século XIX, pelos oitavos marqueses de Fronteira, D. Maria Mascarenhas Barreto e Pedro João de Morais Sarmento, reputado horticultor oitocentista.

No início do século XX, as hortas da Quinta do Marquês de Fronteira foram cartografadas a sul e a nascente do palácio, em duas plantas do levantamento cartográfico de Silva Pinto. Na planta nº 6L, pode observar-se a zona das hortas, afastadas do palácio pelos jardins formais e secundarizadas na paisagem a partir da casa, ora pelos muros da Galeria dos Reis, ora pelo desnível do terreno, numa cota inferior (figura 4: destacado a cores).

 

Palácio e parte das hortas da Quinta do Marquês de Fronteira (adaptado), Júlio António vieira da Silva Pinto e Alberto de Sá Correia, outubro de 1908, Arquivo Municipal de Lisboa.

 

No século XXI, as zonas da horta foram valorizadas com a plantação de um pomar (2002) e do nivelamento dos terrenos (2003), integrados em campanhas de restauro dos jardins.

Embora o arquiteto Frederico George (segundo marido da 11ª marquesa e padrasto do 12º marquês, D. Fernando de Mascarenhas) tenha fotografado as hortas da quinta em meados do século XX, a sua importância decaíra a ponto de, em 2011, se ter ajardinado parte da zona agrícola, na continuidade dos jardins formais, com o jardim das laranjeiras e o laranjal.


CONVERSA «A PLANTA DE SILVA PINTO E AS HORTAS DE LISBOA»


A quinta conversa no âmbito da exposição «Hortas de Lisboa. Da Idade Média ao século XXI» debruça-se sobre o primeiro levantamento da planta de Lisboa realizado no século XX, entre 1904 e 1911, pelo engenheiro Silva Pinto.

Refletindo sobre convergências, permanências e ruturas no território da cidade, Teresa Marat-Mendes conversa com os comissários da exposição sobre a legenda desta Planta e a representação das hortas.

Palestra em direto na página principal de Facebook do Museu de Lisboa: https://www.facebook.com/museudelisboaEGEAC. 

 BANCOS PRIVATIVOS DE SEMENTES


Quando Adelino comprou aquele prédio, o logradouro alojava gato, monos e problemas. Esperou o tempo suficiente para concluir que teria de arregaçar as mangas se quisesse tornar aquele pedaço de chão, que mal se via, numa horta produtiva de onde pudesse tirar hortícolas e fruta saudável. Como se estivesse na sua aldeia de Monsanto. De lá trouxe muitos pés, muitos enxertos e muitas sementes, algumas delas doadas pela sua família. Constituiu, ao longo do tempo, o seu banco privativo de sementes.



"As sementes, quer ver? Estas são compradas, e estas são ofertas de pessoas amigas. Abóbora, pepino, coentros, mais coentros, feijão daquele de trepar, espinafre da Nova Zelândia,  melancia, meloa, manjericão, tudo identificado, nabo espanhol, este nabo é muito bom. Isto é “Nabiça da Maria da Luz”, que é a cunhada da minha irmã que está lá a fazer a horta. Semente da Isabel, “Cebola valenciana, semear cedo”, “Cebola normal da Maria”, “Nabo especial da Maria”, Olhe, tenho aqui semente de couve lá de cima de Monsanto e uma outra, mas não consigo diferenciar. Uma é couve naba e outra é uma couve que temos lá em cima que no Natal está toda repolhuda. São muito parecidas. Perdi-lhes o rasto e tenho de arranjar maneira de dar a volta a isto. Tenho mais sementes, tenho ali mais.  Aqui tenho “Semente de nabiça do Senhor José” meu vizinho aqui do lado. Feijão maravilha de Piemonte, anão, baixinho, é muito bom para sopa; é um espetáculo. Aqui é tudo alfaces, estas todas, vou pondo. Agora...agora estamos na altura de plantar!"



 SOBERANIA ALIMENTAR



O poder de decidir sobre os mais elementares aspetos da vida – terra, sementes e alimentos – está hoje concentrado nas mãos de estados-nação, organizações supranacionais e corporações transnacionais.

Esta realidade é bem ilustrada pela controvérsia em torno das sementes que deixaram de ser universos de acesso livre, para passarem a ser dominados por grandes multinacionais.

A contestação deste sistema tem vindo a ser assumida por movimentos e coletivos que reivindicam uma nova regulação da produção alimentar e a restruturação do comércio de bens alimentares, por via de uma maior autonomia e poder de decisão por parte de quem produz e de uma menor alienação entre produtores e consumidores. A segurança alimentar, a justiça social e a dignidade, a reconexão com a natureza, a rejeição de práticas insustentáveis e de circuitos (globais) destrutivos, o empoderamento comunitário, o envolvimento no planeamento ambiental e a consolidação de ensinamentos para lidar com o antropoceno, são alguns dos objetivos que se pretendem alcançar.

As ações desses movimentos e coletivos ganham expressão junto de pequenos agricultores, estejam eles situados junto às grandes cidades ou em locais mais remotos, mas também no vasto universo que é o dos consumidores urbanos. Estes, pelo poder das suas escolhas, têm a capacidade de criar vias alternativas para o atual sistema alimentar global. Através da adesão a cooperativas alimentares com a inerente partilha de investimentos, riscos e lucros, apoiando sistemas de distribuição de cabazes de produtos hortícolas e frutas (e outros itens), frequentemente produzidos em modo biológico, ou constituindo, por exemplo, coletivos de recolha e de partilha de sementes. Mas os consumidores podem assumir, igualmente, a produção de uma parte dos alimentos que consomem, em espaços regulamentados ou informais, de forma individual ou inseridos em estruturas que promovem a produção coletiva e onde se inscrevem, também, as dimensões da intervenção cívica e do bem-estar.