AS HORTAS CASEIRAS DA LISBOA MEDIEVAL 


As hortas ou almoinhas (vocábulo de origem árabe) eram as designações para “o espaço verde anexo à habitação, situado nas traseiras”. Mesmo nas paróquias lisboetas mais urbanizadas, esse pedaço de terreno cercado estava presente, sendo a irrigação assegurada, ou por um poço dentro do próprio espaço, ou um chafariz nas redondezas, ou mesmo pelos despejos domésticos, que forneciam a essas culturas mimosas o fertilizante tão necessário ao seu desenvolvimento.

A maior parte das espécies cultivadas, nessas pequenas hortas caseiras, eram herdadas de época romana e do período muçulmano. Cultivavam-se hortaliças, legumes, leguminosas, ervas de cheiro e medicinais, e até, algumas árvores de fruta e flores, não havendo distinção entre horta e jardim, aliás uma tradição muçulmana, adquirida com os persas. O produto final destinava-se ao consumo familiar, sendo comido cru, cozido ou confecionado em caldos e sopas, ou havendo excedentes, para venda à porta das habitações.

Um dos hábitos dos lisboetas medievais era o de plantar ervas protetoras contra o mau-olhado, como a arruda ou ervas medicinais como o alecrim cujo fumo era considerado “um dos melhores desinfetantes, bom para afugentar os germens da pestilência que flutuavam na atmosfera”. Em 1492, perante mais um surto de peste, o rei D. João II exigiu ao Senado da Câmara, que tivesse disponível grandes quantidades de alecrim para defumar em abundância, nas casas e nas ruas de Lisboa.

Mas as alterações urbanísticas do século XVI ditaram a decadência das hortas caseiras de Lisboa. O próprio Gil Vicente colocou na boca de Maria Parda um clamor perante a falta de verde, nas ruas de Lisboa:

“Ó triste rua dos Fornos

Que foi da vossa verdura?”

Na atualidade lisboeta, e depois de uma “pestilência” que nos colocou em confinamento, talvez outro dramaturgo possa colocar na boca de uma personagem:                   


“Ó alegres varandas e açoteias

Tão cheias de tanta verdura!”


Texto de Ana Paula Antunes


Pormenor do Livro de Horas de D. Manuel I, Calendário (mês de janeiro), António de Holanda (atribuído a), 1517-1551, Pergaminho, Fólio 5, Museu Nacional de Arte Antiga

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